“É preciso coragem para crer que uma vida pequena ainda é uma vida significativa, e é preciso graça para saber que o Senhor me vê e me ama mesmo que eu não tenha feito nada poderoso ou ousado ou até mesmo interessante, e isto me basta.” (Tish H. Warren)
Quem ousaria colocar no currículo os dizeres: sou uma pessoa ordinária ou um profissional ordinário? Em sã consciência, ninguém. Certamente, encararíamos como ofensa se alguém nos definisse dessa forma, pois algo ordinário é geralmente visto como desprezível e inferior. Mas, vejamos a definição do termo. O Dicionário Michaelis traz a seguinte:
or·di·ná·ri·o
1 De acordo com o costume.
2 Que é habitual.
3 Repetido seguidamente.
4 Que é assíduo.
5 Que revela mediocridade.
6 De qualidade inferior.
De modo geral, o uso ordinário da palavra está relacionado ao que é comum, costumeiro e assíduo; há um outro sentido, também, em que a palavra está relacionada ao que é modesto, pequeno, ou até mesmo, inferior.
Essa é uma perspectiva do uso geral do termo, contudo, quando olhamos para a Teologia da Reforma Protestante, encontramos um entendimento muito mais elevado acerca daquilo que é ordinário.
No Catolicismo Medieval, acreditava-se que Deus estava no monastério, e não no mercado; na missa, e não no lar. Trocar a fralda de bebê jamais poderia ser entendido como um ato bom ou espiritual.
Porém, a partir do entendimento que reformadores, como Lutero e Calvino tiveram, de que toda a vida é vivida diante da face de Deus, passou-se a considerar sagrados não somente alguns aspectos da vida, mas o seu todo. Então, a vida comum também se tornou sagrada. Quando compreendemos que toda a vida é vivida coram Deo, isto é, diante de Deus, acreditamos que Deus está presente no cotidiano, portanto, cada ato do ordinário é uma expressão de adoração a Ele. Nossos lares, trabalhos e trajetos, são, também, nossos lugares de adoração.
Há beleza no ordinário
Há beleza nas nossas rotinas diárias, nas carinhas amassadas dos nossos filhos, no cheiro de café pela casa, nos ritmos da vida, sejam eles mais intensos ou tranquilos. Há beleza em nosso trabalho, nos e-mails a serem respondidos, no chão a ser varrido, nos relatórios a serem entregues. Acredite, há beleza.
No fim das contas, essa vida comum que vivemos, é apenas uma forma de nos fazer ansiar por algo extraordinário. Ou, como diria o Andre Costa, a vida comum é apenas uma fresta para o extraordinário.
É em meio à vida comum que Deus escolhe se revelar a nós, é por meio da vida comum que descobrimos o anseio pelo extraordinário, pela própria eternidade. O cansaço, as alegrias, as tristezas, os pequenos prazeres diários nos apontam para uma existência maior e mais plena, para a qual fomos criados. A vida comum é um vislumbre da eternidade, de fato, uma frestinha pela qual enxergamos a Deus.
Em um mundo onde as pessoas estão em busca de relevância, há um chamado Divino para valorizarmos as coisas comuns, as conversas em volta da mesa, a vida real, que acontece fora dos stories, o serviço à igreja local e os relacionamentos imperfeitos e tão necessários. Precisamos resgatar essas pequenas coisas, mas, mais do que isso, precisamos dar a elas o seu verdadeiro significado.
Deus não desprezou esse mundo comum e nossas vidas comuns. Ele nos convida a olharmos para a nossa vida como um teatro de sua glória, e cada aspecto dela como uma oportunidade para refletir essa glória.
Como disse Michael Horton, em seu livro Simplesmente Crente: “quem sabe? Talvez, se descobrirmos as oportunidades daquilo que é comum, com apreço pelo que é conhecido, maravilhando-nos com o que é corriqueiro, seremos, afinal, radicais.”
Autora: Prisca Lessa Mendonça
IG: @teologiaparamulheres_